Criança Cidadã

"É dever da família, da comunidade, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

(art 227- Constituição Federal Brasileira de 1988)


Uma Sociedade Contaminada pela Apartação

O surgimento da AIDS no Brasil trouxe inúmeros desafios a nossa sociedade, ente eles, o de estarmos preparados para conviver com a contaminação infantil, como a das crianças vítimas dos comportamentos de risco apresentados, na maioria das vezes por seus pais1. Cabe-nos aqui evidenciarmos o perfil das famílias mais atingidas pela doença, aquelas que oriundas das classes populares, caracterizam hoje a verdadeira face da apartação social2, onde a proliferação da doença encontra seguramente um ambiente propício para intensificar-se.

É necessário, mencionarmos os principais indicadores que compõem este cenário sócio-familiar: a própria desagregação da família, a baixa escolaridade, o número de filhos, o consumo de álcool e drogas, a violência, a vulnerabilidade sexual, o desemprego e até mesmo a cor da pele. Outros fatores complementares a esse quadro, como a ausência de condições dignas de sobrevivência, alimentação, moradia, saneamento e educação, apesar de serem anteriores ao fato da existência do vírus, contribuem significativamente para o agravamento da saúde das crianças.

Entendemos que o ambiente, o carinho e a proteção são fundamentais para que as crianças assumam criativamente suas experiências, descubram-se e transformem-se, transformando também os sujeitos presentes em suas relações sociais. Por outro lado, nos questionamos de que forma estes elementos poderão verdadeiramente se efetivar nas relações de nossa atual sociedade, uma vez que esta, encontra-se apática e oprimida, tornando-nos mais indiferentes e omissos, quanto ao nosso papel de cidadãos.

Que seja suscitada em nossa comunidade, uma postura mais instigante ao ponto de exigirmos respostas mais abrangentes e emergenciais, que perpassem estruturas sociais e institucionais, no que tange á superação da marginalização e discriminação das pessoas contaminadas pelo vírus HIV, bem como, sejamos capazes de chamarmos a atenção das instâncias governamentais para o cumprimento do papel que lhes é devido, ou seja, entre outras coisas, a prevenção de epidemias e também a promoção da melhoria das condições de vida da população, sem qualquer forma de exclusão.

Acreditamos que, é na infância que se formam os alicerces para a construção do cidadão de amanhã3, por isso, é essencial que busquemos intervir coletivamente na conscientização daqueles que tornaram essa base frágil e incapaz de sustentar uma vida mais digna e feliz. Contudo, a AIDS com seu caráter seletivo, obriga a cada um de nós a olhar o outro e para si mesmo, nos ajuda a realizar uma auto-análise como indivíduos, como seres sociais e como espécie. Essa trágica doença tem posto a prova não só nossa sensibilidade, nossos valores, nosso avanço científico e tecnológico, mas principalmente nosso sentimento de humanidade.

1 - Doentes marginalizados pelo desprezo e abandono, numa sociedade onde lhes é negado afeto, estima, solidariedade e até mesmo o direito de morrer com dignidade.
2 - Segundo Cristovan Buarque (1993), é o processo pela qual denomina-se o outro como um ser à parte, ou seja, fenômeno de separar o outro, não apenas como o desigual, mas, como um não semelhante, um ser expulso dos meios de consumo, bens, serviços e principalmente do gênero humano.
3 - Crianças vistas aqui como pesoas em desenvolvimento e não pelo viés da ideologia da incapacidade infantil (da qual decorre o paradigma da proteção total).

LIÇÕES COTIDIANAS

"Quando uma sociedade deixa matar suas crianças é porque começou seu suicídio como sociedade. Quando não as ama é porque deixou de se reconhecer como humanidade."
(Betinho - sociólogo)

Este espaço é dedicado aquelas pessoas que ajudam escrever a história da CEACRI, sejam elas funcionárias ou voluntárias, que além de tornarem a vida das crianças mais colorida, contribuem diariamente para a qualificação e reconhecimento de nossa instituição, fazendo com que a mesma sobressaia-se, ao tornar-se modelo para a realização de um trabalho sério, dedicado e peculiar, no combate a AIDS infantil.

O relato abaixo desvenda as experiências vivenciadas no cotidiano institucional, ao expressar entre outras coisas, através do olhar singular de pessoas simples, novas relações, emoções e reflexões. Pretendemos a cada história compartilhada levar ao conhecimento dos leitores uma despretensiosa mas valorosa e intrínseca lição de vida, certos de que esta encontra-se muitas vezes, próxima a nós, porém não as identificamos.

Como se fossem nossas

Eu estou aqui desde...

que inaugurou. Eu trabalhava no asilo aqui perto e já no segundo dia vim para cá, porque era uma oportunidade nova na minha vida e por eu gostar de crianças. Eu tenho um filho adotivo (adotado na ocasião do ingresso na clínica) que era de uma prima minha que faleceu. Naquela época ele estava muito doentinho, e eu cuidei dele.

Meu primeiro contato com AIDS foi...

quando um colega passou mal e descobrimos que ele tinha a doença. Nós convivíamos bastante, quando meus amigos descobriram que ele tinha AIDS se afastaram. Eu fui uma das únicas pessoas que continuou do lado dele.

Nossa função aqui...

é administrar a medicação das crianças, levá-las para consultar ou tomar vacina, mas também, levamos elas para passear. Quando ficam internadas visitamos no hospital.

Aqui na Clínica...

as crianças chegam "destruídas", muito doentes. A recuperação é rápida, a gente percebe a melhora na condição de vida delas. No início do trabalho a gente tinha medo que faltasse as coisas para as crianças, nós economizávamos bastante e sempre orávamos estimuladas pela irmã Loide, uma mulher de muita fé, mas Deus sempre cumpriu suas promessas e nada nos faltou.

Cada criança que entra...

a gente fica feliz e logo se apega. Muitas colegas tem vontade de ir embora por causa dos vínculos, mas como se eles consideram a gente família deles.

Quando as crianças vão embora...

é muito triste, já chorei muito com a saída deles, principalmente com a do Lucas, eu cuidava bastante dele, ele me chamava de mãe era o preferido a gente sempre tem um que é mais do coração.

Nossa relação com as mães é de...

Ciúmes. As mães tem ciúmes de nós e nós delas. Algumas não deixam as crianças nos chamarem de mãe. Por mais que a irmã Loide nos diga que as crianças não são nossas a gente se apega muito a elas, e não esquecemos delas quando saem da clínica.

Quando vamos para nossas casas...

eles ficam na expectativa que vamos voltar logo e nós também, pensamos neles, vivemos em função deles, é engraçado. Em casa com nossa família mencionamos as nossas crianças é difícil ir para casa e se desligar, quando adoecem a gente liga para saber como estão. Quando a gente chega eles fazem festa.

Com este informativo...

as pessoas vão poder compreender que a gente pode ajudar as crianças e não precisa ter preconceito. Eles são inocentes e não sabem que tem AIDS.

"A gente quer acreditar, sabe que não são nossas,
mas acostuma com eles e acaba achando que é."
Celi do Nascimento
, 31 anos,
Auxiliar de enfermagem

O nome "Lucas" utilizado no relato é fictício, a fim de que seja preservada a identidade da criança.

ESPERAMOS VOCÊ; PARTICIPE CONOSCO DESTA LUTA!
JUNTE-SE A NÓS EM ORAÇÃO

"Mais bem-aventurada coisa é dar que receber!"